As cadelas estão a par deitadas no sofá junto a mim, a sua quietude pede por carinhos depois de um dia agitado a correrem pela casa e eu estou perto a zelar para que nada as perturbe enquanto dormem. A noite já caiu e como as ruas largas lá fora estão cobertas pelo manto de frio do Inverno, cá dentro está acesa a lareira e o seu calor dá-nos a terna sensação de estarmos no regaço de nossa mãe.
Agora que reflicto nos dias mansos que têm corrido dou por mim a ir ao encontro do Futuro a viver os dias do Passado, porque a rotina confunde-se e não tenho a total certeza de estar em frente a um novo dia ou a um caminho habitualmente trilhado. Sei instintivamente a onde me levam estas passagens, os rostos com os quais partilho a vivência sei-os de cor e nada do que me dizem soa a novo. Os sonhos são a minha única esperança, a minha derradeira luz num mundo desordenado e sórdido e as lembranças da pessoa amada o único bálsamo, o único lugar de conforto e tranquilidade. Assi como um eremita eu vivo sem companhia, só em mim mesma. Sou como um lago que permanentemente fechado numa depressão sonha ser rio e correr ligeirinho para o mar, mas como rouxinol na gaiola vou cantando para quem passa sem poder nunca ergue-me alto nos céus.
O Presente tem-se mantido uma surpresa previsível e embora ouça por aí elogios e repreensões da voz do mundo as árvores que abanam com o passar do vento e as estradas desertas é que me despertam para a existência. Estas cousas reportam-me para um tempo em que havia horas para parar a contemplar as nuvens que se moviam no céu azul, ouvir os sinos da igreja, correr pelos corredores da escola, nos dias que correm perco a noção da voz dos professores se desvio o olhar para a janela, ouço agora os sinos de uma igreja diferente muito ao longe como se de uma ilusão se tratasse e quando vejo e ouço os meninos alegres a brincarem parece-me uma selva em que sou incapaz de me aventurar. Porém sinto que nunca houve em mim uma verdadeira separação da criança que fui e da pessoa-no-meio que sou agora. Continuo a amar as cousas simples,os sorrisos sinceros e o pêlo dos animais, mas a nostalgia e a melancolia que sempre pairou sobre mim afastam-me de uma vivência leviana e aproximam-me com robustez para uma vida de sentires profundos e lacrimejantes. Estou a um ponto equidistante das extremidades da felicidade e da tristeza, no centro de uma vida que podia ser afortunada ou poética. No meio do que podia ser e do que foi.
As horas passam de forma constante, mas quando me distraio saltam por cima umas das outras e passam velozmente para um número muito distante de forma silenciosa e trapaceira, e quando vou a confirma-las e verifico que é em muito mais cedo do que me mostram rio no meu íntimo das suas embustices falhadas. Mas de quando em vez cumprem a sua função honestamente e quem se perde sou eu. Quando olho de relance para o relógio e vejo a quantidade de tempo que deixei passar sem aproveitar para um fim terrenamente útil, o abatimento e a sensação de incapacidade apoderam-se de mim, custa-me sentir o corpo e a alma e desejo por momentos conhecer a paz da sepultura.
Contudo a noite já caiu e como as ruas largas lá fora estão cobertas pelo manto de frio do Inverno, cá dentro está acesa a lareira e o seu calor dá-nos a terna sensação de estarmos no regaço de nossa mãe. São vinte e um de Novembro, Maria irá conceber um menino que será chamado filho de Deus, quando ele chegar só haverá regozijo nos nossos corações. E será muito em breve...

Breve é o tempo de felicidade, até porque é um estado inexistente. Somos fantasmas de um mundo que não existe.
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