Bato a porta principal e saio à rua num hábito repetido constantemente, dirigindo-me rapidamente ao café da esquina, pisando firmemente o solo, em todo o tempo com as mãos enterradas até ao fundo das algibeiras, movo-me velozmente para que o frio não me gele ou impeça de alcançar o destino final.
Dou entrada no estabelecimento e pouco tempo depois estou já a sair, mas agora com companhia e que me obriga a caminhar mais lentamente. Uma das amigas da minha avó aproveita para acariciar as mãos no pêlo da gola do meu sobretudo dizendo:
-É macio! É como a dona!
Deslizou as mãos docemente do casaco para o meu rosto e afirmou:
- Que cara bonita!
Sorri-lhe e agradeci interiormente. A velhice acorda uma meiguice nos olhos que adoça tudo quanto vê e por isso crêem que os defeitos não são mais do que perfeições em bruto, daí que receba elogios continuamente de quem me vê todos os dias.
Após esta cena de ternura, despediram-se todas com o costumeiro "Até amanhã" sempre acompanhado de "se Deus quiser!", viemos para casa, onde a lareira doura a sala de estar, e nos enche com o calor que não existe do lado de fora destas paredes. Porém, já ao subir as escadas do lar senti o texto nascer em mim, uma nova estrela a querer despontar no meu céu em invariável noite cerrada. Sinto fome com o passar da tarde, mas já comi, tenho ânsia de alimento ou de algo que me desadormeça e no entanto estou a guardar as palavras em mim para depois dos deveres, embora sejam urgentes.
Preservo o regozijo para mais tarde, aproveito a claridade e os raios de luz de Inverno para as obrigações, à noite cabe a Arte e todo o seu esplendor, nota-se melhor no escuro o seu brilho intenso que faz arder não os olhos, mas os corações. É nas horas que o Sol não reluz e as cousas não se vêem na sua plenitude que a alma se dilata e dá corpo a novas criações. As mãos são inertes, mas a mente produz sem cessar, fogo e espadas para ferir e água e beijos para curar.
Preservo o regozijo para mais tarde, aproveito a claridade e os raios de luz de Inverno para as obrigações, à noite cabe a Arte e todo o seu esplendor, nota-se melhor no escuro o seu brilho intenso que faz arder não os olhos, mas os corações. É nas horas que o Sol não reluz e as cousas não se vêem na sua plenitude que a alma se dilata e dá corpo a novas criações. As mãos são inertes, mas a mente produz sem cessar, fogo e espadas para ferir e água e beijos para curar.

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