A manhã levanta-se calma e suave, a recuperar de uma noite agitada em que o ventos sopraram fortes e a chuva veio cair nos nossos quintais. Há uma quietação própria de um dia que terminou e agora se renasce. A avó diz que lhe dói muito as costas, tal como ela também o amanhecer se restabelece das fortes fustigadas acordando os habitantes com um leve frio de pós-guerra. As árvores mantêm-se estáticas, majestosas, imperturbáveis, não lembrando em nada o rebuliço de ontem, e as nuvens adensam-se no céu iludindo-nos de que este nunca foi azul, mas branco com tonalidades cinzentas. Não acredito no dia de ontem nem em todos os outros que vieram antes, o Passado são memórias dispersas e tantas vezes enganadoras, se o céu é branco eu acredito que o seja de verdade. Mas quão difícil é afirmar com certezas, ser coerente e sempre imparcial quando a minha alma procura o que está longe e talvez não exista nunca e quando o tempo muda tanto que não é possível anotar nada com clareza! Por vezes saco da câmara e deambulo pelos caminhos que conheço olhando e vendo sempre pela primeira vez as maravilhas de um local que se conhece mas que nunca se sabe na sua plenitude. Capto a Natureza para que se alguém calcar a pequena flor ao menos eu saiba e guarde sempre a sua imagem tal e qual como existiu. Assi, tenho doces detalhes perdidos no coração, sei que existo para contemplar a existência das cousas e escreve-las de acordo com o seu âmago, desvendando o que é misterioso e recôndito e o que poucos vêem para além da superfície.
A avó passeia-se pelo quarto que é dela e pouco meu e fecha a persiana deixando-me na penumbra, vendo a meio o que há lá fora. Que metáfora bonita me fez ver sem que o soubesse! Não sente intensamente quem se fica à sombra, quem não se deixa tocar pelos raios de Sol ou pelas gotas de chuva fria. Quando a tristeza vem de mansinho bater à porta da minha alma olho para o firmamento e, como pastor à procura da ovelha perdida, espreito por entre todas as nuvens em busca de um Sol tímido e recolhido, aí a melancolia toma o caminho de regresso por onde veio ou mistura-se com o sossego que é todo contentamento.
Quando estou eu e a Natureza e a Natureza e eu, sinto que sou uma planta que se levantou e andou, mas que vai à sua verdadeira fonte buscar as forças para um mundo que é grande e nem sempre agradável. Porém, quando somos uma da outra e estamos assi bem assentes afugento o que me retira a concentração da real perfeição, de maneira que a recordação desse tempo não seja dispersa, mas concentrada no que é de Deus e posta no mundo para crescer livre e renascer a todas as mortes. E desta forma, eu posso entender o Diabo, a inveja é um ser muito poderoso quando não se tem olhos puros e não se sabe apreciar as beldades feitas por mão de Outro. Quando não temos resistência qualquer mal nos entra e nos consome, é bom que tenhamos as arestas bem limadas.
Andar errante pelos lugares reparando e seguindo faz de mim um ser contemplativo, mas que tem em si um pedaço do que é natural, o coração balança sempre que o vento sopra, porque é feito de ramos de árvore que têm folhas e que ora dão flores e frutos ora ficam caducos e alguns pássaros se vêm aninhar ali e fazer ninho. Tenho tudo isto e tudo isto é o meu coração, pois a Natureza é a minha casa e a minha casa é onde os meus ossos repousam, mas algumas pessoas não têm nada, não sentem nada, são quase nada.

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