Neste Domingo cinzento as cadelas ladram no terraço contra o vento, as crianças, barulhos ou qualquer cousa que se movimente, vejo-as através das flores coloridas da minha avó e ouço-as pelas brechas das janelas fechadas. Está frio hoje, sabe bem um dia sóbrio em pleno Agosto, com o Sol encoberto, mas onde não falta claridade. É um dia sereno, sem excessos, ideal perfeito de neutralidade que se mantém ao longo das horas e por isso me levantei cedo e fui com a mãe à eucarística na Igreja Matriz, longe o suficiente para que qualquer sensato se sentasse à espera da próxima missa ocorrida na Igreja Nova estupidamente mais próxima de nossa casa. Ao regressarmos ao lar fizemos paragem num dos cafés onde a minha avó costuma ir conversar com as amigas e ficamos por lá até que entrou uma conhecida sem que me apercebesse. Reparei mais tarde quem era e antes que pudesse retornar ao meu lanche falou-me com uma voz tão baixa que mal pude reparar que se tinha dirigido a mim, perguntou-me: "Está tudo bem? Como foi a escola?", respondi laconicamente sem que conseguisse desenvolver a conversa, a mãe perguntou em tom de repreensão se não perguntava pela filha da senhora, que embora tivesse andado comigo na escola não tinha comigo qualquer ponto em comum, mas não fui capaz de dizer mais nada, sorri apenas e tentei sair da conversa olhando para outro local, a senhora riu-se, chegou perto de mim passando-me a mão no rosto e disse: "Eu já a conheço! Já sei como ela é!". Quem é que me conhece? Como é que eu sou? Há tanto tempo que tenho trazido estas questões adormecidas em mim. Eu não sou elegante nos actos, nem sapiente nas palavras, nem um foco de luz quando entro numa sala, porém talvez seja tudo o que eu não sou quando estou só.
Sou alguém comedido, de bom gosto e de bom coração, o Outro para mim é um mundo à parte, de outro planeta, de outra galáxia talvez. Há os que quero por amigos, e os que sou totalmente indiferente, a estes não incomodo e espero o mesmo, é possível que por me serem tão estranhos lhes seja tão insensível. No entanto, há em mim uma vontade de simpatia, confraternização, boas maneiras. Quando um dos outros me fala as palavras agitam-se dentro de mim, mas não saem. Talvez um "tudo bem, obrigada", mas nunca um "tudo bem, obrigada, e consigo?". Os outros não percebo se não me importam de todo, ou se os temo. Se em terra divina sentir-me-ia um deus pequeno ao lado de Deuses Maiores ou um Deus Maior ao lado de deuses pequenos. Sou como sou e não sei o que é isso. Sei o que fui e talvez o que serei, mas estou perdida no meio. Sei e sinto cada parte de mim, que não poderá nunca ser mostrada por completo. Como num sacrário os meus sentimentos e virtudes estão guardados no mais fundo da minha alma, nunca se revelando quando deles preciso. Estão lá, mas talvez não saiam nunca. Mas eu que sou eu sei que existem e eu que sou eu conheço-me melhor do que qualquer familiar, amigo ou conhecido, eu que sou eu sei que não tenho limites, eu que sou eu sei que não sou os outros. Mas se a Terra continuar a virar para o mesmo lado e o Outro continuar a ser o Outro a minha vida será sempre um Domingo sereno onde não sei se sou um deus menor ou um Deus Maior.

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