"Meu caminho é por mim fora."

23/04/2014

Missa de Sétimo Dia


 Viverás ainda na memória dos que te conheceram. Depois esses hão-de morrer. Depois serás exactamente um nada, como se não tivesses nascido.

Este excerto que agora serve de mote a este texto que escrevo, li-o há algumas horas pela primeira vez, num livro de Vergílio Ferreira. Tocou-me de especial modo e talvez por isso o tenha gravado na cabeça e no coração. Parece que como nos textos de Literatura era um indício para o que se ia resultar ao longo do dia, mas esse já ia a meio, quase mesmo a terminar e a avó como era hábito tinha saído para a eucarística, e eu como cristão de Domingo fiquei-me em casa, onde a comodidade é maior e o tempo passa com lassidão.  Mais tarde, já depois do jantar, irrompeu na porta principal e não demorou a retaliar-me por não estar presente na missa de sétimo dia do avô do André. Por entre a voz exaltada da avó, a alma doeu-me. O avô do André tinha falecido na Sexta-feira da Paixão e o enterro tinha acontecido no próprio Domingo de Páscoa que por ser um dia agitado impossibilitou a minha presença. Na verdade, soube já fora do tempo e agora falhei de novo e por isso, soube-me pior do que comer carne estragada, espetar um prego no pé ou cair em frente de uma multidão, feriu-me no mais profundo do meu íntimo. Ao  contrário do que havia acontecido em tempos passados no funeral do senhor Abel, avô da Rita, senti-me insuficiente, como se toda a minha amizade tivesse errado naquele dia e uma grande fenda se pusesse entre mim e o meu grande amigo.  A avó advertiu-me para lhe fazer um pedido de desculpas, mas mesmo antes das palavras terem saído da sua boca, já a minha pobre alma lhe tinha obedecido. Este arrependimento e carência de perdão não era fruto de falsas elegâncias, mas de um coração de amigo que se tinha sentido muito pouco, achando que nunca a ignorância tinha sido tão penosa!  E como se finalmente num lance culminante me tivesse espetado um punhal no peito disse-me inda que o André tinha lido um poema de extrema beleza. Soubesse ela o quanto me magoava, não diria nunca palavra alguma sobre essa missa! Era o meu orgulho e a minha utilidade numa vida tão vazia que se despedaçava e agora como quando deixo a porta fechada abandonando os cães do lado de fora da sala quente e aconchegante, senti-me sozinha, separando-me do mundo e inclusive dos que mais quero. Porque não pude estar, quando queria tanto! Não pude ser consolação! Não pude ser amigo! Não pude ser companhia! Pude apenas ser nada! Sempre distante, sempre em outro lugar qualquer!  E neste momento já a missa se deu por terminada há muito e já as pessoas abandonaram a igreja e retornaram para as suas casas, umas mais desgostosas que outras. Faleceu um pai, um avô, um amigo, um conhecido e é essa pessoa que lembrarão e terão presente. Continuará vivo nas palavras, nas suas cousas, nos seus espaços e também nesta memória de uma amiga que falhou e de um coração que se arrependeu.

2 comentários:

  1. ❤ Adoro-te! Não pereças de actos passados, adoro-te, e é-me muito bom saber que sentes pena por não teres estado presente, mas não tinhas como saber, e, sabes, não me fardo por não teres comparecido. Como te havia dito, não estiveste fisicamente, estiveste muito melhor num eterno e vasto local de aliança ❤

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    1. És o meu melhor amigo, não havia como não ficar triste. Quero estar sempre onde precisares de mim! ❤

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