Entrei na igreja a par com o André. No adro estava uma carrinha fúnubre repleta de coroas e uns compinchas a falarem com à vontade. Na coxia principal, em frente à grande cruz onde está Cristo, o caixão iluminado por quatro grandes castiçais. Desviámos-nos dali e sentamo-nos num dos bancos de trás, o quinto a contar do meio das bancadas, soube-o porque o contei várias vezes, como habitual. Antes de me sentar e enquanto fazia uma pequena oração de agradecimento a Deus, percorri a igreja à procura da minha avó e estranhei que não se tivesse sentado nos bancos frontais, olhei em minha volta e fui encontra-la sentada perto das amigas dois lugares à minha frente. Não posso explicar o que senti quando a vi ali tão perto no sua usual ida à igreja, foi como se a visse pela primeira vez ali tão sossegada e tão retida nas suas rezas, com a cabeça inclinada para o sacrário. Logo depois procurei pela Rita e vi-a ao longe. Esta sim, estava nos bancos da frente com toda a família, perto do defunto. Algumas pessoas passavam por ali a cumprimenta-los um a um.
Quando a eucarística ia começar, passaram os três padres da sacristia para a porta da igreja de onde iriam vir em procissão até ao altar. Toda a gente se levantou quando passou o trio pela coxia lateral. O André fez-me sinal e fui constrangida a levantar-me. Reparei logo que foi uma pequena desatenção dos presentes, talvez não habituados a missas, pois é costume levantarmo-nos apenas quando a procissão começa. Comentei isto com o André.
Os cânticos iniciaram-se sem o som do órgão ou das flautas e também a voz do padre da freguesia estava mudada, pesada, dolorosa, compreensiva.
Pareceu-me uma missa normal, à semana, sem grandes alaridos e com a excepção de estarem todos trajados de cores escuras. Eu também.
Depois da comunhão, olhei fixamente a cruz e pedi em silêncio para que iluminasse a Rita e não a deixasse sofrer, embora me parecesse difícil, mesmo para Jesus. Pedi-Lhe também pelos meus parentes, pelos que amo e por aqueles a quem não tenho tanto ou amor nenhum. Fechei os olhos e ocorreu-me também que podia ser melhor.
Depois de receber o sacramento da eucaristia, pareceu-me que passou rápido. Menos de uma hora. E perto do final os três padres chegaram-se perto do último leito do senhor Abel e proferiram algumas orações que nunca tinha ouvido e não consegui fixar. E nesse momento toda a igreja se encheu de novas cores, o Sol incidiu sobre aquelas janelas e como se a vida se adentrasse pelas paredes tudo se iluminou. Principalmente o arcanjo Miguel que apontava para o Céu.
Quando se deu a celebração por terminada e começaram a sair as gentes em cortejo para o cemitério, esperei com o André pela nossa amiga. Conseguimos cumprimenta-la com dois beijos, mas não me ocorreu dizer-lhe nada. Disse-me depois que se tinha alegrado em ver-nos. E eu alegrei-me em alegra-la um pouco.
A avó diz frequentemente justificando as suas idas constantes aos funerais que se formos aos dos outros temos depois quem vá ao nosso. Eu penso que vale a pena irmos para nos fazermos úteis a quem sofre e na verdade senti a meu préstimo quando a neta do falecido e minha melhor amiga me respondeu "Eu sei que posso contar convosco!" .
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